sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O garoto Rafael

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O pai finalizou o corte. Encontro-me em um salão de cabelereiro, na verdade, nunca havia frequentado um assim. Mas não quero focar no local e em outras pessoas, apenas no pai e seu filho.

Inicialmente de onde me encontro sentado, enxergava apenas a figura paterna, o filho se escondia ao lado, mas logo se apresentou a cena e se tornou o personagem principal. Seus cabelos são lisos, castanhos, longos e estavam prontos para serem cerrados, pai e filho trocam opiniões sobre a transformação. O corte então é iniciado, o filho boceja e o pai pede para que ele não durma como das outras vezes, o filho lhe responde com sorrisos e expressões inocentes de um garoto, aparentemente no seu oitavo aniversário. Identifico-me com a sua felicidade e olhos cerrados, seu ponto fraco é o mesmo que o meu, mãos no cabelo trazem sono e quietude.

O filho não obedece ao pai, se entrega completamente aos carinhos de quem molda o seu cabelo, fazendo com que sorrisos apareçam no ambiente, pois é inacreditável a sua reação ao toque. Seu pai, imediatamente aperta o seu rosto, e aquele olhar angelical se desperta de forma rápida sobre ameaças de ficar careca. A partir dai o pai leva o filho a refletir que corresponder ao ponto fraco pode trazer riscos irreparáveis. Enquanto filosofo sobre a cena, o corte toma forma e o sono de seu corpo não desapareceu, os riscos estão todos ali e o garoto opta por vivê-los, a não fugir dos temores e do que a vida lhe oferecia naquele instante, não busca ser um menino atencioso, apenas se entrega ao prazer de dormir, corre perigo sendo ele mesmo.

Com sua reação me identifiquei, sua coragem e inocência era desconhecida em mim. Saí do salão e desejava apenas saber o seu nome. Minutos depois, na fila de um fast-food, escolhendo a opção que mais me agradaria e discutindo sobre com minha delicada donzela as opções em cartaz, eis que ela apenas diz: “Ficou lindo o seu corte...”, focando a sua atenção e singelo olhar, atrás de mim. Era o garoto. Um mágico momento me trazia a inspiração da escrita em carne e osso, um olhar meigo, palavras mansas, envergonhadas e muito sinceras recebiam o elogio e respondia: “Sinceramente não gostei, mas muito obrigado.” Não perdi a oportunidade e continuei o elogiando, ele corado, apenas agradecia e com o tempo, pedia a opinião para o sanduiche que tinha bacon, outro ponto em comum. Analisamos e chegamos a conclusão que a melhor opção seria o número 8 e ele o solicitou a caixa, que também lhe recebeu com um carinhoso sorriso.


Eu não conseguia disfarçar, o desejo paterno estava despertado em mim de forma feroz, embora gosto muito de crianças, mas era uma situação diferente, um clima nada comum e um garoto que no silêncio e ação, me fez falar e agir. Meu pedido foi impresso primeiro, o dele logo após, mas então ele se distanciou, ficou no final da fila. Não contente em vê-lo afastado, o chamei e então questionei o seu nome, ouvi ele dizendo: “Rafael”.

No hebraico, Rafael significa: “Deus o curou”. A cura de Deus em frente a um homem em construção, me atingiu de tal forma que fui curado de um sonho, não mais sonhado, do renascimento de flores, antes sem cores, da simplicidade perdida no tempo. O garoto não fez orações, não me chamou pelo nome, talvez nunca mais o vejo, mas Deus sabia quem necessitava de cura e onde a cura deveria agir. O menino Rafael me convidou em seus gestos e silêncio, a correr riscos, a receber o toque de um Deus carinhoso e descansar, me entregando ao sono e deixando assim, os meus sonhos ressuscitarem. Fui curado. 
 

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